Memorial a Bob Marley: um eco de resistência na periferia de Maceió
Durante uma breve viagem a São Paulo nos anos de 1980, o alagoano de União dos Palmares, José Maria Ferreira Bezerra, teve seu primeiro contato com a obra do jamaicano Bob Marley e, na primeira ouvida, tornou-se fã.
Ao voltar para Maceió encontrou o disco Exodus de Marley e sentiu algo especial, talvez pelo significado do título, que remete à migração de pessoas em busca de melhores condições de vida. Naquela época, para se ouvir música era necessário ter um aparelho toca discos e o vinil do artista. E aquele foi o primeiro de sua coleção.
Pouco tempo depois, em 1981, o cantor morreu em decorrência de um câncer, mas as palavras cantadas por ele seguem ecoando mundo afora até hoje. “Me recordo de uma frase que Bob disse antes de morrer: difícil não é lutar por aquilo que se quer, e sim desistir daquilo que se mais ama. Eu desisti. Mas não pense que foi por não ter coragem de lutar, e sim por não ter mais condições de sofrer.”
Tocado pela trajetória de Marley, José Maria passou a colecionar tudo que tratasse do cantor, do reggae e da Jamaica. Começou a trabalhar no rádio, construiu uma história profissional na comunicação, passando pelas principais transmissoras de Alagoas. Foi durante essa trajetória que recebeu o gentil apelido de “Brinco Star”.
Nos anos 2000, resolveu dar à casa onde mora, na periferia de Maceió, uma identidade visual mais forte. “Me recordo quando um casal passou por aqui e a esposa descreveu minha casa para o marido, que era cego. Ele sorriu, dizendo que parecia um museu, ou algo assim. Aquele momento me tocou e resolvi criar o memorial”, recorda Brinco.
O Inspira foi ao endereço que fica no bairro do Benedito Bentes, o mais populoso da capital. É impossível não notar a casa ao chegar à acanhada rua, ainda de barro. Brinco estava na porta, sorrindo. A casa tem apenas uma cerca de arame como muro onde estão pendurados objetos decorativos que um dia foram sucata. Do portão de mandalas ao piso construído em homenagem aos filhos e netas, tudo tem um toque pessoal mesclado à cultura rastafari. No topo do telhado, um alto-falante ecoa música numa altura que não incomoda ninguém. Brinco é bem quisto pela vizinhança. Um caos acolhedor em tons de vermelho, amarelo e verde.
Durante nossa conversa, Brinco Star fez questão de ressaltar que não faz apologia a nenhum tipo de droga. O “vício” dele é restrito ao legado e cultura deixados pelo cantor jamaicano.
Se o reggae fosse uma religião, Brinco seria apóstolo do desapego. “Aqui nada é meu, tudo é nosso. Inclusive, quem quiser vir conhecer o acervo e conversar sobre música, as portas estão sempre abertas”, garantiu. “Bob pregava o amor e usava sua arte para trazer consciência. Sempre terei tempo, principalmente para os mais jovens que estão expostos a todo tipo de perigo nas comunidades”, disse.
Aos que criticam a iniciativa, há uma resposta certeira: “Como diria Bob, não ligo que me olham da cabeça aos pés. Eles nunca farão minha cabeça e nunca chegarão aos meus pés.”
Vida longa ao Memorial Bob Marley – e que Jah abençoe Brinco Star.
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