31 de maio de 2025

A memória que ainda falta e o silenciamento de quem ergueu este país

Por muitos anos, quis entender melhor minha ascendência, movida principalmente pelo sobrenome herdado do meu pai. No Museu da Imigração, em São Paulo, descobri curiosidades sobre a chegada do meu ancestral, Ernest de Laet, ao porto de Santos, a bordo do navio a vapor Albatroz, em 1870. Além do parente belga, me chamou atenção a diversidade do acervo: judeus, franceses, turcos, italianos… e por aí vai.

Lembro do guia comentando sobre os povos que “construíram o país”. Quando ele concluiu a narração, perguntei pela ala dedicada aos descendentes africano. Não havia. “Deve ter algum museu que trate só sobre Escravidão”, respondeu, meio contrariado.

Aquela conversa me deixou reflexiva e comecei a conversar sozinha. Foi pelo braço africano que este país foi erguido — ainda que à força. Suor e sangue de pessoas escravizadas estão nos alicerces de cada casa grande, de cada plantação, e correm nas veias de 55,5% da população brasileira, segundo o IBGE. Quem não tem sangue negro, tem, em alguma medida, um açoite nas mãos dos próprios ancestrais.

Talvez algum desavisado pergunte: Mas a Muralha da China e as pirâmides do Egito também foram erguidas por escravizados. Por que toda essa atenção aos pretos? Quase cinco milhões foram trazidos parar no Brasil. De cada 100 escravizados que desembarcavam por aqui, 86 eram negros. Apenas 14, europeus.

O historiador Laurentino Gomes explica — e eu concordo — que o povo africano foi o único escravizado em massa. Principados inteiros foram rendidos e submetidos ao trabalho forçado por 350 anos. Dos 12,5 milhões de africanos escravizados, quase dois milhões sequer chegaram vivos às Américas. Uma média de 14 corpos lançados ao mar por dia. Isso durou quase quatro séculos.

Sérgio Buarque de Holanda, outro historiador das nossas raízes, argumentava em suas teses que o período escravagista foi tão intenso que ainda ecoa. Ele ajuda a explicar por que, até hoje, o trabalho manual, braçal, é visto como inferior. Como se quem trabalha muito valesse menos. No meu entendimento, ainda em reconstrução, os negros preservaram sua fé, sua cultura, sua força, mesmo sob cativeiro. E é por isso que hoje temos um povo tão plural e tão bonito em tantos tons.

Imagem: Freepik

Decidi, então, contar histórias de pessoas comuns que herdaram essa raiz de resistência e, em Alagoas, fazem a diferença. Nada mais justo em uma terra onde a Serra da Barriga guarda a memória de Aquatune, Zumbi e Dandara, entre tantos outros que lutaram — e tombaram — pela liberdade do povo preto.

Não acredito em meritocracia. Mas acredito no poder de uma história. E sei que há muitas pessoas negras por aí atualizando, com coragem e dignidade, o significado da palavra resistência.

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